Confraria das Lagartixas promove Encontro de Cinema, Literatura e Arte.
Parceria A Casa Frida
Filme | A Substância
De A Substância
Uma atriz veterana, ao ser descartada pela indústria do entretenimento devido à sua idade, recorre a uma substância enigmática que promete rejuvenescer e aprimorar sua imagem. Essa decisão resulta na criação de seu duplo, uma versão mais jovem e idealizada de si mesma, desencadeando uma série de eventos que exploram a dualidade entre identidade e aparência.
Assistir ao filme (locação):
TRAILER:
Cena do filme "A Substância"
"Todas as vezes que Aurélia queria ficar linda ligava para Serjoca. Serjoca era maquiador de mulheres. Então, enquanto era maquiada, pensou: Serjoca está me tirando o rosto. A impressão era a de que ele apagava os seus traços: vazia, uma cara só de carne. Carne morena."
Frase do conto "Ele me Bebeu" de Clarice Lispector
Cena do filme "A Substância"
"Sentiu mal-estar. Pediu licença e foi ao banheiro para se olhar ao espelho. Era isso mesmo que ela imaginara: Serjoca tinha anulado o seu rosto. Mesmo os ossos — e tinha uma ossatura espetacular — mesmo os ossos tinham desaparecido. Ele está me bebendo, pensou, ele vai me destruir."
Frase do conto "Ele me Bebeu" de Clarice Lispector
Cena do filme "A Substância"
"Foi ao espelho. Olhou-se profundamente. Mas ela não era mais nada. — Então — então de súbito deu uma bruta bofetada no lado esquerdo do rosto. Para se acordar. Ficou parada olhando-se. E, como se não bastasse, deu mais duas bofetadas na cara. Para encontrar-se."
Frase do conto "Ele me Bebeu" de Clarice Lispector
Cena do filme "A Substância"
"E realmente aconteceu.
No espelho viu enfim um rosto humano, triste, delicado.
Ela era Aurélia Nascimento.
Acabara de nascer.
Nascimento."
Frase do conto "Ele me Bebeu" de Clarice Lispector
Imersão Clarice Lispector
Para acompanhar nossa Ciranda de Leitura do livro A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector, seguimos com o conto Ele Me Bebeu.
Conto | Ele me Bebeu
De Clarice Lispector Do livro A Via Crucis do Corpo
No conto "Ele me bebeu", publicado na coletânea A Via Crucis do Corpo, de Clarice Lispector (1974), percebemos que a amizade entre Aurélia e Serjoca, se configura na dependência dela para com a imagem que ele cria em seu rosto, por meio da maquiagem.
Clarice e Fargeat nos trazem um dilema contemporâneo profundo: a obsessão pela autoimagem e a busca incessante por validação através do olhar do outro; acima de tudo, o holofote midiático, que notoriamente oprime e traumatiza mulheres décadas após décadas, seja por abusos e assédios físicos ou psicológicos.
De que substância somos feitos?
Texto publicado no blog do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Fonte: https://deptodepsicanalise.blogspot.com/2024/10/a-substancia-de-que-substancia-somos.html
Carla Belintani tece um texto forte e importante sobre o filme “A Substância" trazendo questões inquietantes sobre as agruras de nosso envelhecer. Confira!
“Se pudesse ser diferente! Se eu permanecesse sempre jovem e o retrato envelhecesse! Por isso - por isso - eu daria tudo! Daria a minha alma por isso!”
O retrato de Dorian Gray
O filme A Substância, estrelado por Demi Moore, relata a história de uma atriz renomada, que é desligada de um canal de TV por ter 50 anos, e as consequências desse desligamento. Qualquer semelhança com a realidade não é mera consciência.
Logo na abertura, a protagonista é homenageada na calçada da fama de Hollywood. Com a visão da câmera fixa sobre a calçada, acompanhamos, etapa por etapa, a construção midiática de seu nome: a terra, o cimento e o acabamento com a estrela até a queda do mito, quando seu nome, já sujo e desgastado pelo tempo, é pisoteado por pés apressados. Essa sequência, que se encerra com sujeira de ketchup caindo sobre seu nome na calçada, em alusão ao sangue humano, resume a narrativa que o filme vai se aprofundar.
Elizabeth Sparkle acaba de completar 50 anos e apresenta um programa fitness num canal de TV. Apesar de linda, ela é demitida pelo diretor, que busca agora uma apresentadora “mais jovem e mais gostosa”. Após a demissão, Elizabeth sai desnorteada da empresa e sofre um acidente de carro ao ver sua foto sendo rasgada em um outdoor. Ver seu corpo sendo literalmente rasgado no painel parece ser a metáfora exata para o sentimento que a personagem nutre sobre si mesma.
A temática do filme nos remete ao artigo “Yo horror”, de Diana Singer, debatido recentemente no grupo de trabalho sobre envelhecimento, no Departamento de Psicanálise do Sedes. No texto, Singer interpreta a beleza e o culto ao corpo como uma exigência social que mantém o sujeito preso na eterna e exaustiva busca pela juventude perdida. Esforço em vão, já que o corpo físico real não compreende qualquer código social, revelando em sua jornada as marcas naturais do tempo. Ou seja, a tentativa de constante manutenção da juventude através de procedimentos estéticos torna-se uma realidade insustentável.
Testemunhar a própria passagem do tempo exige do psiquismo recursos elaborativos para incluir esse “corpo estranho” que tanto golpeia os ideais narcísicos. Esses recursos têm relação com as primeiras experiências desse sujeito, ainda na infância, instaurando os processos iniciais de identificação. O olhar do outro se faz presente desde os primórdios da constituição do eu, definido por Lacan como “estádio do espelho”, momento em que o eu ideal se instaura a partir da visão da imagem unificada do outro, retirando a criança de um estado de total indiferenciação.
Se há falhas nesse processo inicial, enfrentar as adversidades da passagem do tempo faz com que o eu não se identifique com a imagem de si refletida no espelho, provocando uma inquietante estranheza.
Singer define o “eu horror” como o negativo do eu ideal, gerando uma angústia de desmoronamento.
Quando Elizabeth vê em sua imagem a ruína do eu ideal, ela vive a experiência de contato com o horror.
No livro “O retrato de Dorian Gray”, o espelho é representado pelo quadro que envelhece enquanto Dorian permanece jovem e belo.
Empenhada na busca por “uma versão melhor de si mesma”, Elizabeth cria Sue, interpretada pela atriz Margaret Qualley, a partir da ingestão de uma substância. Ela dá luz à sua melhor versão, que nasce literalmente de uma fenda aberta em suas costas. A tal substância rejuvenescedora entrega o que promete com uma condição: que cada versão dessa mesma pessoa viva em ciclos alternados de uma semana. Enquanto uma versão está no mundo, a outra dorme nua e inerte no chão de um banheiro frio e escuro.
O filme é aflitivo e a presença visceral de sangue e camadas de pele de um corpo já inconsciente revela que a ausência do sujeito de desejo foi preenchida pela busca incessante por um ideal.
Nesse embate entre velho e novo, o espelho e suas diversas imagens que se fundem entre Elizabeth e Sue, causa mal-estar. Elizabeth poderia encerrar esse ciclo, mas é incapaz de sustentar sua imagem envelhecida, optando por manter-se viva na pele de Sue. Como um vampiro que se alimenta de sangue humano para conquistar a imortalidade, Sue devora Elizabeth, sugando qualquer traço de sua subjetividade.
O laboratório que produz a substância é clandestino e inabitado. Elizabeth e Sue têm contato apenas com uma voz mecânica e impaciente que repete constantemente que as duas são a mesma pessoa.
Essa relação dual se torna cada vez mais violenta à medida que Sue decide desobedecer a regra e permanecer viva por mais que uma semana. Em um círculo vicioso e repetitivo de ódio contra si mesma, Sue mata aos poucos sua versão original envelhecida - Elisabeth -, representando o polo negativo do eu ideal e, assim, destituindo Elizabeth de sua instância simbólica para lidar com os embates do tempo.
Não há pacto com Eros. Sem Sue, Elizabeth não pode existir. Há o predomínio de Thanatos, convocando a violência extrema contra o próprio eu. O único destino possível é a morte. E, ao morrer, mata-se o eu horror que tanto a tortura. Na corporificação final de Elizabeth, ela se torna um monstro.
O espelho é personagem recorrente na literatura. No conto de fadas Branca de Neve, o espelho adquire vida e diz à madrasta que ela não é a mais bela e, sim, sua jovem enteada. A partir de então, a obra é costurada pelo desejo de morte.
Já Narciso morre afogado, inebriado pela própria imagem refletida no rio.
É o olhar do outro que nos constitui na condição de sujeito, assim como o olhar da mãe proporciona uma existência ao bebê.
Recentemente, um senhor bastante idoso que reside em uma casa de repouso, disse: “Ninguém conversa comigo. Parece que estou deixando de existir”. Da mesma forma, pessoas em situação de rua são quase sempre atravessadas com o olhar invisível de quem passa.
Sem o olhar do outro, não há campo de desejo possível. Somos dependentes das relações para construir um lugar subjetivo.
Isso é fundamental para lidarmos com as perdas implicadas no processo de envelhecimento, sem que o sujeito deixe de existir e se perca em uma experiência de desamparo.
A Substância é um filme imprescindível para pensarmos na Elizabeth que existe dentro de cada um de nós.
Carla Belintani é psicóloga e psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. É fundadora do projeto A Casa Frida - Luto, Arte e Psicanálise.
Convidada Especial | Léa Macedo nos presenteia com sua perspectiva única sobre a direção de Coralie Fargeat no filme A Substância.
Esperamos por você.
Quando?
18/01/2025
Roda de conversa: das 16h às 18h
Onde?
Na sua casa através do aplicativo Zoom (Play Store) (Apple Store)
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Para participar, é importante cadastrar o seu melhor e-mail em nosso site.
O link de acesso à sala ZOOM será enviado às 08h no dia do evento, além das atualizações das próximas rodas de conversa e cirandas de leitura.
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Participação Especial:
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