12/04/2025 - "A Hora da Estrela" e "A Descoberta do Mundo" - De Suzana Amaral e Clarice Lispector
- Confraria das Lagartixas
- há 5 dias
- 7 min de leitura
Confraria das Lagartixas promove Encontro de Cinema, Literatura e Arte.
Parceria A Casa Frida
Chegamos ao fim de um mergulho no universo clariceano.
Ninguém sai ileso ou igual ao momento em que submergiu.
“Somos todos Clarices” - seja na solidão, nas angústias e na busca incessante por um contorno que nos possa definir.
Continuaremos nessa travessia através da A Casa Frida, com o Grupo de Estudos: Clarice, uma biografia - de Benjamin Moser. Clique aqui para acessar.

Filme | A Hora da Estrela
De Suzana Amaral
A Hora da Estrela, obra adaptada para o cinema por Suzana Amaral, conta a história de Macabéa, órfã, de 19 anos, uma nortista (não confundir com “cabeça-chata” nem baiana) que vai para a cidade grande após a morte da tia. Datilógrafa, virgem (“virginha”), adora cachorro-quente e coca-cola.
TRAILER:

Filme "A Hora da Estrela"
“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida.”

Cena do filme "A Hora da Estrela"
Macabéa também é feia (“feíssima — parece um maracujá de gaveta”, “tem cara de quem comeu e não gostou”), desajeitada, sonsa, esquisita, tem cheiro ruim, é suja e nunca vai ser uma artista de cinema porque não tem corpo, não tem cara, não tem “é nada”; não presta nem pra dar cria.

Cena do filme "A Hora da Estrela"
Crua como uma flor sem poda, Macabéa tem a disposição de uma criança para aprender. E aprende como? Vendo e ouvindo. Ela penteia os cabelos como a colega de quarto; seca o corpo do mesmo jeito que o namorado após o banho de chuva; copia a pose da manequim da loja de vestidos de noivas, imita a colega de trabalho que passa batom, mente para o chefe e seduz os homens.

Cena do filme "A Hora da Estrela"
Macabéa reconhece sua essência através de seus sonhos e de seus reflexos (no espelho sujo, na janela quebrada, na vitrine da loja). Quando está sozinha, gosta de ouvir o barulho do tempo (tic, tic, tic), aprende as notícias da Rádio Relógio, escreve, dança livremente e se emociona com música erudita.
Imersão Clarice Lispector
Para acompanhar nossa Ciranda de Leitura do livro A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector, seguimos com a crônica A Descoberta do Mundo.

Conto | A Descoberta do Mundo
De Clarice Lispector
A menina Clarice, em meio à entrada da adolescência, se depara com os segredos da criação.
Espanto, asco e por fim, a descoberta de que a vida vale a pena ser vivida.

"O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida. E eu quereria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva."
(Clarice Lispector)

"Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez."
(Clarice Lispector)

"Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita." (Clarice Lispector)

A Hora da Estrela
Por Carla Belintani
“Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim à outra molécula e começou a vida.” Assim começa a obra “A Hora da Estrela”, publicada em 1977, dois meses antes do falecimento da autora Clarice Lispector.
O livro narra a triste história de Macabéa, uma moça que migra do nordeste para o Rio de Janeiro - “tão pobre que só comia cachorro quente”.
Sua pobreza não está apenas na falta de recursos intelectuais e financeiros, mas sobretudo no empobrecimento de existir. “Existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico”.
Com forte tom crítico e social, a obra é apresentada por um autor personagem onipresente, Rodrigo S. M, que compartilha seus próprios pensamentos ao longo da narrativa.
“Escrevo, portanto, não por causa da nordestina, mas por motivo grave de ‘força maior’, como se diz nos requerimentos oficiais, por ‘força da lei’.”
“Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.”
A escrita é retratada como sobrevivência e, neste sentido, Rodrigo talvez represente os sentimentos de Clarice. Como já dizia Freud, “A escrita é, na sua origem, a linguagem do ausente”.
Na ânsia pela descoberta de si, e no contato com a extrema solidão, Macabéa usa os recursos que tem à mão. “Como não tinha a quem beijar, beijava a parede. Ao acariciar ela se acariciava a si própria”. Com um encanto sombrio, Clarice conduz o leitor a uma profunda reflexão sobre a existência humana.
Na obra, a arte tem função transcendente. “Chorava porque, através da música, adivinhava talvez que havia outros modos de sentir, havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma”.
Tal como a protagonista, o estômago do leitor se torna sensível a cada passagem, ao testemunhar a inocência com que Macabéa se contentava com pouco versus a dureza que os demais personagens dirigiam a ela. Olímpico termina o relacionamento com Macabéa, dizendo que “ela era como um cabelo na sopa”. Glória se gaba de sua exuberância diante de pobreza da amiga. Macabéa estava acostumada a não ter coisas boas. “Se contentava com pouco, pois não era nada”.
“Talvez porque haja nela um recolhimento e também porque na pobreza do corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.”
Reflito se o livro seria um rito de passagem que a autora faz ao se despedir da vida, já que retrata o quanto “a morte parece dizer sobre a vida”.
“Na hora da morte, a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no coral se ouvem agudos sibilantes”.
Clarice parece propor uma reflexão sobre a sentença de vida e morte. Somos condenados a viver e a morrer. Não há escapatória. “A vida é um soco no estômago”. Macabéa sofre de ânsia, mas não vomita para não desperdiçar o pouco que possui internamente. Neste sentido, a sentença de morte seria um alívio para um ser que “vivia de si mesma como se comesse as próprias entranhas?”.
O livro desperta no leitor um mal estar, um desconforto, principalmente pelo final trágico da heroína. Ao morrer Macabéa, algo do leitor morre com ela “para que haja a ressurreição?”.
Em 1930, durante o declínio da bolsa de NY e com a chegada de Hitler ao poder, Freud lança seu célebre texto “O mal estar na civilização”. O pai da psicanálise questiona o que o homem deseja alcançar na vida e indaga sobre o fracasso na eterna busca da felicidade. O sofrimento nos alcança mais fácil porque nos capta pelo corpo. No mundo externo, a incessante tentativa de dominar a natureza traz ao homem e às suas relações o sentimento de fracasso, especialmente em tempos pandêmicos.
Freud questiona a busca por fórmulas para quem deseja evitar o sofrimento. “Por sentirmos demais, tentamos encontrar formas de sentir menos”. Antidepressivos, drogas e álcool, por exemplo, proporcionam sensações imediatas de prazer ao corpo.
Para se manter na civilização, o homem precisa renunciar a seus instintos. “Ama ao teu próximo como ama a ti mesmo” e outros mandamentos que regem a civilização humana não operam na prática. Há uma intensa carga de agressividade, que é parte da constituição humana. “O homem é o lobo do homem”, neste sentido, se aproxima da escrita de Clarice ao retratar uma personagem devorada pelo instinto agressivo de uma sociedade desigual. A sujeira, o dejeto, o feio, são protagonistas nas suas histórias.
A cartomante (último personagem da história) surge na vida de Macabéa com previsões que a fazem ter “explosões’” (esse é o único sentimento claro que Macabéa identifica: explosões), tornando-a pela primeira vez uma “pessoa grávida de futuro”. Esperançosa com a chegada de sua hora e vez diante do possível encontro com seu príncipe de olhos claros e estrangeiro, ela conheceria finalmente o amor. Mas, neste instante, é atropelada por um carro de luxo. Esse sentimento de atropelamento permanece no leitor como o encontro com o estranho que a escrita de Clarice evoca. É preciso ousar para seguir lendo suas obras, acessando tantas sensações de estranhamento.
O livro se inicia com a vida, com um sim, e se encerra com “a vida comendo a própria vida”.
Cumprimos o pedido do autor, rezamos por Macabéa, “uma caixinha de música meio desafinada”, que desperta o mais estridente grito no silêncio.
Em dezembro de 1977, os jornais registraram a morte de Clarice Lispector, a grande estrela da literatura brasileira. Se suas obras se tornaram imortais, o enigma de quem foi Clarice permanece.
Quanto mais mergulhamos no conteúdo de suas obras, mais percebemos uma escrita de um ser inquieto e insuficiente. “A morte é um encontro consigo”. Seria suficiente uma vida para ler e reler a literatura de Clarice? O leitor que ousa essa empreitada não pode esperar um entendimento completo da obra, mas sim uma oportunidade única de estar em contato com uma escrita “que provoca necessidade”. Acredito que esta seja a missão maior dos grandes textos: provocar movimento no leitor.
Se é possível chegar ao âmago da obra clariciana? Se a sentença de vida me permitir, sim, mas “não esquecer que por enquanto ainda é tempo de morangos”.
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Referências bibliográficas:
FREUD, S. O mal estar na civilização [1930].Trad. Paulo César de Souza In: Obras Completas volume 18. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.A hora da estrela
LISPECTOR C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 2006
Esperamos por você.
Quando?
12/04/2025
Roda de conversa: das 16h às 18h
Onde?
Na sua casa através do aplicativo Zoom (Play Store) (Apple Store)
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O link de acesso à sala ZOOM será enviado às 08h no dia do evento, além das atualizações das próximas rodas de conversa e cirandas de leitura.
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